Vida. Quando Começa?


A Revista Época de 16 de abril de 2007 traz como matéria de capa o debate referente ao aborto, no que tange a sua legalização. Nesse contexto, o STF também coloca em pauta para decisão, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3510, se as pesquisas embrionárias podem ou não ser realizadas na Brasil. Entretanto, para ambos os temas, há um debate imprescindível para solucionar uma "lacuna" e que se resume em uma pergunta: "QUANDO COMEÇA A VIDA?".

A polêmica certamente existe, pois que no ordenamento jurídico brasileiro a morte ocorre pelo fim da atividade cerebral (Resolução n. 1.480/97 e Lei n. 9.434, art. 3), o que levaria a uma interpretação lógica de que a vida começaria com a formação do sistema neurológico, mas esse debate não é tão simples quanto parece.

A Constituição Federal garante o direito à vida, mas não deixa claro quando ela começa. Para muitos pesquisadores e para a própria Igreja Católica, a vida começa com a concepção e deveria ser protegida pelo Estado desde então. Adeptos dessa opinião tomam como fundamento jurídico o art. 5 da CRFB/88 e o art. 2 do CC/22. Contrário a essa opinião, no âmbito penal, a vida começaria a partir da nidação, que ocorre no 14° dia de gestação.

No entanto, há aqueles que defendem que o embrião passa a existir como pessoa a partir da ocorrência de conexões entre os neurônios e, isso aconteceria por volta das 18° semana de gestação. Só então o feto poderia ter o que chamamos de vida e expressar sofrimento, segundo o médico e o professor de Bioética, Marcos de Almeida, da Universidade Federal de São Paulo.

A Constituição Federal, sem dúvida, garante perante a lei aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade.

Nesse contexto, outra questão importante que o STF terá que solucionar refere-se à Lei de Biosegurança (Lei 11.105/2005), que autoriza a pesquisa com células tronco extraída de embriões produzidos in vitro para fins de reprodução assistida. Cabe aos ministros do STF manter ou não a permissão para os cientistas usem em suas pesquisas as células desses embriões conhecidos como células tronco embrionárias. A mesma Lei deixa claro que a utilização desses embriões só é permitida para embriões inviáveis para gestação ou que estejam congelados por mais de três anos. A polêmica mais uma vez gira em torno da definição de quando se inicia a vida, pois que se a vida começa na fecundação, a pesquisa com embriões é inconstitucional, uma vez que os destroem e que, portanto haveria uma violação ao direito a vida e do direito a dignidade da pessoa humana (art. 5°, CRFB/88). Assim, a lei autoriza a utilização de embriões descartáveis para a obtenção de células tronco seria contrária à Constituição.

Para os opositores das pesquisas, o embrião congelado é um nascituro e deve ser protegido pelo Estado. Para os defensores das pesquisas, o nascituro é o ser humano já concebido e em desenvolvimento no útero da mãe. Como os embriões congelados doados para pesquisa nunca serão transferidos para um útero (e, sem útero, não há desenvolvimento), eles não teriam, segundo os defensores, proteção legal de que trata do Código Civil.

A questão é: se, de uma parte, a Constituição tutela a vida e a dignidade da pessoa humana, por outro lado tutela a saúde e a expressão de toda atividade científica. Embora ainda não tenham obtido resultados concretos na prática, as pesquisas com células tronco embrionárias são a única esperança de cinco milhões de brasileiros que sofrem de algumas doenças genéticas graves. A decisão do STF pode ter implicações sobre os direitos à paternidade e à maternidade e ainda sobre outros assuntos mais polêmicos, como o aborto. Principalmente na hipótese de anencefalia, quando o embrião ou o feto apresentam um processo patológico de caráter embrionário que se manifesta pela falta de estruturas cerebrais (hemisfério cerebrais e córtex), o que impede o desenvolvimento das funções superiores do sistema nervoso central. Em situações como essa, o feto não pode ser considerado como "tecnicamente vivo", o que significa que não existe vida humana intra uterina a ser tutelada.

Desse modo, se for considerada esta interpretação, a interrupção não tipificaria o crime de aborto. A lei penal, ao punir o aborto, busca proteger a vida humana, porém a vida útil e viável, não exigindo que a mãe carregue em seu ventre um feto que não possui possibilidade de sobrevivência na medida em que não possui abóbada craniana.

É importante ressaltar que o Estado brasileiro é laico, permitindo, consequentemente a adoção e prática de qualquer culto ou crença, inclusive o ateísmo. Assim, cada gestante poderia, de acordo com suas livres convicções, estabelecer a melhor meta a seguir: manter a gestação do anencéfalo ou permitir o aborto, pois que o anencéfalo não teria vida humana a ser protegida pelo Direito Penal.

Ainda não se chegou a uma correta conclusão sobre o exato momento em que a vida começa. Saber quando começa a vida é um debate cheio de controvérsias e que esbarra em questões políticas e morais da nossa sociedade, no qual será preciso conciliar as reais necessidades da sociedade brasileira com as opiniões religiosas, legais e cientificas para se obter uma solução razoável.

Artigo publicado em Setembro de 2008 no Jornal do Curso de Direito - Uniminas/Pitagoras - Informativo - Ano 1, n. 2 - Uberlândia (MG). - Participação do Projeto "Notícia por trás da notícia", coordenação pelo Prof. Alexandre Magno Borges.

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