A importância da Ética
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Sociedade
por Stephen Kanitz

Antigamente, a moral e a ética eram transmitidas às novas gerações pelas classes dominantes, pela aristocracia, pelos intelectuais, escritores e artistas. Era uma época em que os nobres eram nobres, exemplos a serem seguidos por todos. Hoje isso mudou. Nossas lideranças políticas, acadêmicas e empresariais não mais se preocupam em transmitir valores morais às futuras gerações. Não existe mais o noblesse oblige, a obrigação dos nobres, como antigamente. Poetas até enaltecem os nossos "heróis sem caráter".
Hoje, quem quiser adquirir valores morais e éticos neste mundo "moderno" terá que aprender as regras sozinho. Portanto, para não perder mais tempo, vamos começar com a primeira lição.
Vou mostrar a importância de criar um código de ética com um exemplo real. Vou romancear os personagens para os proteger, mas a história é verdadeira.
Um amigo de infância, o Zeca, casou-se com a garota mais linda de nossa turma. Ela tinha uma irmã mais nova e mais bonita de 12 anos. Nosso comentário era que ele estava casando com a irmã errada, mas estávamos todos morrendo de inveja.
Após dois anos de casado, o Zeca acabou transando com a linda cunhada e foi prontamente descoberto pela esposa. Só falamos disso seis meses. Ele se desculpou dizendo: "Não sei o que passou pela minha cabeça, ela simplesmente se entregou". Fato mais comum do que se imagina, fruto da rivalidade entre belas irmãs.
Muitos anos depois, cada vez que encontrávamos o Zeca tentávamos disfarçar nosso sorriso malicioso. Mesmo vinte anos se passando, toda vez que eu o encontro, a primeira imagem que me vem à mente é "Lá vem o Zeca, aquele que transou com a cunhada".
Isso é totalmente injusto de minha parte, afinal seu crime não durou mais que meia hora, e ele nunca voltou a repeti-lo. Já sofreu e pagou seu pecado, e mesmo assim, vinte anos depois, nós ainda o estávamos condenando. Pelas leis brasileiras, ele já teria cumprido pena e seria perdoado.
Por isso, as gerações mais velhas criam uma moral e uma ética, uma religião, uma filosofia de vida transmitida às novas gerações para que elas não façam besteiras que possam marcá-las para o resto da vida. Transgredir a moral e a ética de sua comunidade traz penas bem mais severas que transgredir as leis de seu país.
Ter uma religião e não seguir os preceitos que ela advoga, algo que ocorre com frequência, é o pior dos dois mundos: aí você não procura uma ética melhor que o satisfaça nem seguir a ética determinada por sua religião.
Na semana passada, ligou um amigo de meu filho e anoitei o recado:
- o Alfredo, filho do Zeca, te ligou - avisei no almoço.
- o Zeca, aquele que papou a cunhada? disse meu filho com um sorriso malicioso.
Acho que ninguém de nossa turma tem inveja do Zeca. Ele não somente pagou o preço, mas esse preço vai ser pago agora por seus filhos, netos e talvez bisnetos. Posso até imaginar daqui há trinta anos um comentário desses:
"Não é o neto do Zeca, aquele que foi pego na cama com a cunhada?"
Os filhos, netos e bisnetos de nossos políticos, homens públicos, líderes e artistas que romperam com a ética terão de conviver com o eterno tititi sobre seus pais e nunca saberão dos comentários ditos pelas costas.
Se você tem uma religião e não a pratica, se você odeia as pregações de moralidade que seus pais lhe impõe, isso não o exime de procurar um sistema de referência melhor para sua vida, seja uma outra religião, seja uma outra conduta filosófica, seja um simples livro de auto-ajuda.
As consequências podem ser muito mais severas que as leis impostas pelo Estado, como descobriu meu querido amigo Zeca, aquele que transou com a cunhada.
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Fonte: Revista Veja, de 09 de janeiro de 2002, seção Ponto de Vista, p. 20.
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